Pandro Nobã: Caminho de volta

Apresentação
São muitos os caminhos que percorrem a pintura de Pandro Nobã. Entre eles está o de um artista autodidata, andando por trilhas que vão sendo construídas conforme ele passa. É um processo marcado especialmente pelo presente, pelo olhar atento para o que está à sua volta. Não há nostalgia nas imagens que ele apresenta. Ao contrário, elas parecem funcionar como pequenos altares, exaltadas e celebradas para além do tempo, para além da história. É como se essas obras pudessem ser, de uma só vez, lembranças do passado e desejos de futuro. O uso de uma palheta de cores fortes, contrastadas, confere solidez para essas imagens. É como se elas fizessem questão de se apresentar com os fincados no chão, no presente. “Eu não sou lembrança. Eu sou o agora”. Verdes, azuis e uma variedade de tons terrosos dialogam com os céus rosados de muitas de suas pinturas, indicadores de momentos de passagem, como o nascer do sol e a chegada da noite. 

Em seu processo de construção de imagens, Pandro recorre à memória pessoal e também mecânica, utilizando fotografias feitas por ele. Mais do que um recurso técnico ou de pesquisa, esse processo aponta para um elemento central nas pinturas do artista: a sua presença. Ao contrário de um olhar documental, que muitas vezes se veste de certa impessoalidade e distância para representar determinada cena ou acontecimento em seus detalhes, essas pinturas se constroem justamente pelo olhar de quem está perto, envolvido com aquelas cenas. De quem conhece os detalhes do tecido bordado, as diferentes texturas da vegetação, a luz em diferentes momentos do dia. Além de todos os personagens que vemos, há um outro, que percorre todas as imagens, e se revela, por exemplo, nos ângulos e cortes escolhidos, assim como nos suportes, utilizando, além da tela, elementos do seu cotidiano, como objetos de barro e madeira, além de tecidos rendados. Assim, essas pinturas são como retratos, que capturam pessoas, lugares e situações, ao mesmo tempo que são também autorretratos.

Também são muitos os caminhos para onde apontam as pinturas de Pandro Nobã. Aqui, pensar o Caminho de volta é, na verdade, ser uma maneira de seguir em frente. Como uma flecha, que, para percorrer seu caminho, precisa ser puxada para trás para garantir o impulso. É uma volta que não é marcada por um caminho circular, onde acabamos no mesmo lugar de onde partimos. O caminho evocado aqui é na verdade traçado em uma espiral, desenhando curvas que se ampliam e se expandem. E parece haver um desejo do artista de nos levar com ele por esses caminhos, em autorretratos que
podem por vezes funcionar como espelhos. Essas cenas, tão pessoais, são também muito familiares, em alguma medida. Constituem, igualmente, um imaginário individual e coletivo, pessoal e histórico, tornando possível nos reconhecermos nessas cenas. Talvez porque em última instância o que move as pinturas de Pandro seja a sensação de pertencimento.

Nego Bispo (1959-2023), escritor, ativista político e importante pensador da identidade quilombola, resumiu bem esse sentimento em um poema de 2018 (posteriormente musicado por Lazzo Matumbi):
 
Nós, habitando nos rincões,
atingimos a proximidade da redondeza.
Nós somos o começo, o meio e o começo.
Existiremos sempre,
sorrindo nas tristezas
para festejar a vinda das alegrias.
Nossas trajetórias nos movem,
Nossa ancestralidade nos guia.
 
Fernanda Lopes
Obras